domingo, 4 de outubro de 2009

Crise Financeira x Ciência Moderna: Parte I

Recomendação:
Para a leitura deste Post, recomendo fortemente a leitura prévia do Post de introdução, onde uma explicação básica sobre o tema é dada e também um guia dos Posts relacionados na ordem em que devem ser lidos para melhor compreensão.


Resumo do Post:
Neste Post serão abordados “o conhecimento perfeito” e “o estudo de eventos isolados”.
O conhecimento perfeito é impossível, em primeiro lugar, porque o próprio ser humano é imperfeito, logo está sujeito a falhas de interpretação e a lacunas na formação do conhecimento. Mas, além disso, existe sempre a incerteza inerente ao próprio contexto que se está estudando. Para alguns contextos isto é inevitável, como podemos ver, por exemplo, no princípio da incerteza da física quântica (além do próprio caso da economia mundial, é claro).
O próprio princípio da incerteza, e as formas de experimentos que demanda, fazem com que a “o estudo de eventos isolados” não seja possível.
Estas duas falhas do reducionismo serão exploradas de forma mais aprofundada no texto a seguir.


Only to the braves:
O conhecimento perfeito:
A física quântica constantemente lida com situações onde o conhecimento está longe de ser perfeito. Alguns casos de “imperfeição” do conhecimento humano de fato devem-se à falta de conhecimento dos cientistas com relação a pontos ainda obscuros do comportamento da matéria, como no caso da teoria da relatividade geral de Einstein que ainda não foi totalmente comprovada e, em alguns círculos científicos, não é nem mesmo totalmente aceita. Porém, em alguns casos essa “imperfeição” é dada como uma característica intrínseca do comportamento sub-atômico, onde os cientistas não lidam com a clássica noção de “presença de uma partícula sólida em um dado ponto no espaço durante um dado período no tempo”, e sim com “tendências a existir” ou ainda “tendências a ocorrer”, lidam com probabilidades de posição, ondas de probabilidade.
De acordo com o princípio da incerteza, para saber-se a posição de uma certa partícula, é preciso conviver com a imprecisão de sua velocidade, e para saber-se sua velocidade é preciso conviver com a imprecisão de sua posição.
E como podemos trazer esta percepção para o mundo das finanças?
George Soros publicou também um livro chamado “A Alquimia das Finanças”, acredito que alquimia é uma palavra realmente bastante interessante para definir este mundo.
O que aconteceu quando deixamos de levar em consideração toda a complexidade deste mundo e deixamos que o Reducionismo afete nossa forma de estudar a Economia é que passamos a acreditar que realmente podíamos vê-la em termos de “objetos pré-definidos impulsionados por forças pré-definidas cuja resultante dependia de leis pré-definidas”, quando na verdade isso é uma grande ilusão. Ainda não entendemos certos aspectos da economia para julgar que podemos controlá-la, e, mais do que isso, existe uma natureza intrínseca a ela que a faz incerta (principalmente levando-se em consideração que muitos pontos envolvem a interação humana, que é muito menos previsível do que pregam muitos economistas). Não se pode, de forma alguma, dizer que conhecendo-se a posição atual da economia, os gráficos de tendência do mercado e o tempo de um determinado investimento (por exemplo), podemos prever qual será o resultado final.


O estudo de eventos isolados:
O princípio da incerteza, citado anteriormente, faz com que os resultados obtidos dependam totalmente dos processos adotados na experiência. Não porque os cientistas conduzam a experiência no rumo que estão querendo, mas porque na física quântica o conceito de “fato isolado” se perde, tudo é fruto de interações intensas entre todos os elementos envolvidos no experimento (incluindo o observador). Na física sub-atômica, partículas se criam, partículas se aniquilam, partículas se absorvem, vêm e vão a velocidades inimagináveis da ordem de 960km por segundo. Muitos estudos só são possíveis através de aparatos como o acelerador de partículas, aparato este muito comentado há pouco tempo atrás, quando foi divulgado que um projeto do CERN (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire), o LHC (Large Hadron Collider), poderia “por acidente” aniquilar com a presença da Terra nesse nosso universo. A extensão do alarde que se fez gerou a impressão de que este era o primeiro experimento dessa natureza (um acelerador de partículas), mas há vários outros construídos e em funcionamento, que ajudam os cientistas a desvendar mais e mais os mistérios do universo das sub-partículas, o caso é que este projeto tem particularidades que realmente o tornam especial, mas isso não vem ao caso para o assunto em pauta.
Voltando ao contexto original, o ponto que nos interessa é que na física moderna nada é analisado por si só, nada é isolado, nada tem existência independente. Ao passo que, na física clássica, temos pontos bem definidos dispersos no vazio desprezível (em termos de influência no experimento), na física quântica temos a realidade de que o “vazio” na verdade é apenas uma sub-parte da matéria, ou a matéria é uma sub-parte do “vazio”, a diferença entre “vazio” e matéria é uma questão de energia acumulada (e extremamente dinâmica), representada pela famosa fórmula E=mc2, mas este também é um assunto muito extenso (tanto quanto interessante), e por isso merecerá algum Post particular em algum futuro breve.
Por enquanto, em termos da economia mundial, o que devemos perceber é que pôde-se ver claramente nesta crise que os mercados, nem de longe, são “objetos” analisáveis independentemente, todos eles, de uma forma ou de outra, diretamente ou indiretamente, possuem algum tipo de ligação. Pudemos ver uma crise imobiliária que alavancou sérios problemas entre investidores e bancos, mas logo todo o mercado estava em crise, e não só as grandes empresas, mas também cada uma das pessoas envolvidas no contexto.
Mas, para mim, uma das características mais fortes desta crise foi que, assim como nos experimentos sub-atômicos, não podemos falar em eventos perfeitamente “encaixáveis” dentro de um modelo espaço x tempo bem definido, encadeados em uma seqüência de fatos um após o outro, mas sim, em eventos entrelaçados, ocorrendo tão “interligadamente” que não podemos dizer com precisão onde acaba um evento e onde começa outro, desenvolvendo uma cadência mais parecida, por exemplo, com os diagramas de Feynman da teoria das sub-partículas.
Esta cadência envolve, inclusive, os ditos “observadores”, o que inclui aos economistas mas também a todos nós, que procuramos basear nossas ações em nossas próprias percepções da crise, mas a verdade é que nossa percepção da realidade altera nossas ações, que por sua vez altera a realidade, entrando em um círculo que traz ainda mais complexidade ao circuito, mas este assunto será mais profundamente discutido na Parte III desta seqüência de Posts.

2 comentários:

Unknown disse...

A própria mecânica quântica já é uma rendição da ciência a impossibilidade do "conhecimento perfeito" e do "estudo de eventos isolados".

Einstein não foi o primeiro a contrariar Newton. Tudo começou com o estudo das partículas atômicas até chegar ao modelo de átomo que conhecemos hoje, que embora muitas pessoas tomem como verdade imutável, ainda é uma suposição que resistiu até hoje sem ser totalmente comprovada.

Dentre os fisico-químicos cujas idéias e trabalhos serviram como base para Einstein estava Heisemberg, que percebeu em experimentos que as partículas atômicas ora se comportam como "partícula" (apresentando soma de efeitos) e ora se comportam como "onda" (apresentando interferência de efeitos). E o mais estranho é que essa variação ocorre conforme a presença do observador.

Muitos cientistas quebraram a cabeça tentando explicar o fenômeno pelas leis conhecidas até que finalmente se renderam ao "Princípio da Incerteza de Heisemberg" em que a presença do observador pode modificar o experimento e que se observarmos a posição de partículas elementares não é possível observar o seu movimento (e vice-versa). Desta forma é impossível prever com absoluta certeza o comportamento dessas partículas e é por isso que se usa a probabilidade.

E isso tudo não é tão abstrato assim. Em muitos momentos nos deparamos com isso no trabalho, mas claro que numa escala macroscópica.

A incerteza também ocorre por exemplo em instrumentos elétricos que pelo fato de não serem ideais (possuem impedâncias, capacitâncias, etc.) acabam por inserir uma pequena modificação no circuito que por sua vez modifica o parâmetro lido pelo instrumento. Muitas vezes já me deparei com situações onde ao inserir num sistema probes de software, sensores ou instrumentos para tentar descobrir porque um determinado problema ocorre, este simplesmente desaparece; voltando a aparecer após a retirada do "observador" inserido.

O estudo de eventos isolados também acaba sendo frequente. Um dia desses me deparei com um problema em uma Giga ("máquina" de testes) de placas eletrônicas que estava parando uma linha de produção e ninguém conseguia resolver. Depois de analisar acabei por descobrir atonitamente que apesar de todos os indícios e efeitos sugerirem um problema elétrico/eletrônico a causa era puramente mecânica. Tive que confirmar isso diversas vezes porque é aquele tipo de coisa que quando você contar ninguém irá acreditar.

Quanto ao LHC, ele realmente não era o primeiro experimento dessa natureza, mas era simplesmente a maior máquina já construída, o maior e mais eficiente acelerador de partículas já criado que é capaz de acelerar partículas até 99,9% da velocidade da luz antes de fazê-las se chocarem recriando as condições do Big Bang, tudo com o objetivo de obter o Bóson de Higgs e explicar a matéria/energia escura. O alarde se deu ao fato de que no processo este acelerador de partículas pode criar pequenos buraco negros, que podem se desfazer rapidamente (o que os cientistas alegam) ou crescer rapidamente engolindo tudo ao seu redor (o que os alarmistas temem), daí o alarde.

Diagramas de Feynman? Foi longe hein...rs...mas você está certo...

Agora sim tá começando a ficar interessante, mas continuarei esperando pelo momento em que a ciência deixe de ser usada apenas como ferramenta de comparação para a ser o assunto principal, e que seus detalhes não fiquem mais de lado por não pertencer ao assunto em pauta.


Rodrigo Letang

Fábio Hideki Kawauchi disse...

Primeiramente, muitíssimo obrigado por um "comentário" com este nível de qualidade e detalhes, realmente estes comentários estão se tornando uma atração a parte.

Alguns conceitos da física ainda serão abordados nos próximos 2 Posts, aguarde.

E prometo ter um Post em algum futuro breve somente falando de diagramas de Feynman, acho espantoso o quanto ele demonstra bem como as coisas acontecem de forma "entrelaçada".

Agora, os Posts de ciência pura não serão muitos (na verdade creio que serão bem raros), pretendo sempre fazer algumas correlações para que o Blog fique democrático e todos possam aproveitar. Mas prometo não me esquece de de vez em quando incluí-los nas pautas.

E quanto aos assuntos fora de pauta, bem... explicá-los todos faria o blog virar um livro, existe realmente muuuuuuita coisa que gostaria de detalhar mais, mas é difícil colocar tantos detalhes de uma forma que as pessoas continuem lendo (rs).

Enfim, vou tentar agradar a gregos e troianos, embora sempre um dos lados vá ficar um pouco mais privilegiado, infelizmente.

Grande abraço!

BlogBlogs.Com.Br